Tuesday, November 04, 2014

Quando foi que laquê virou hair spray?

Conforme o tempo passa, por várias razões, algumas palavras deixam de ser usadas e são esquecidas. Só continuam existindo no museu das palavras. Com as gírias é muito comum isso acontecer. O que hoje é brega, na década de 70 era boko moko, gíria inventada para anunciar uma marca de refrigerante. Quem não tomava a bebida gasosa era boko moko, não tinha bom gosto, estava por fora, ou out, como se diz hoje em... português (???!!!?)


Mas há palavras que não são gíria e mesmo assim desaparecem ou são substituídas por outras.
Por exemplo, quem aí ainda compra creme rinse?  Novidade mercadológica na década de 70 (pelo menos lá em casa, onde toda novidade chegava com anos de atraso pela falta de dinheiro...), o creme rinse servia para deixar os cabelos mais desembaraçados depois da lavagem. Era um creme de enxágue (que falta ainda sinto de colocar o trema nos grupos gue, gui, que , qui em que o u é pronunciado...Fica parecendo que usei xampu mas ficou faltando creme rinse). Rinse em inglês é enxaguar. Claro que estou falando do atual condicionador. Quando creme rinse virou condicionador eu não sei. Mas é uma mudança boa: de duas palavras para uma e, caso raro no Brasil, uma palavra em inglês substituída por outra, também vinda do inglês, mas com pronúncia e grafia já abrasileiradas. Verdadeiro milagre.
Quem cresceu ouvindo dizer creme rinse corre o risco de deixar o termo escapar por aí e ter de arcar com as consequências (ai, que saudade do trema!). Uma delas é não ser compreendido na farmácia e a outra, ser tachado de velho!

Eu mesma passei por uma saia justa um dia em que entrei em uma loja para comprar condicionador e na minha memória só vinha creme rinse! Entre dar pista da minha idade e passar por maluca, me refugiei na segunda opção. Comecei a rodopiar pela loja apontando e balbuciando: Querooooo, queroooo, ééééé, querooo... Até que achei o vidro e disse: Aquilo ali. A vendedora me olhou meio espantada. Acho que dei uma de lelé (outra palavra em desuso?). Mas não entreguei a idade! :-)

Uma outra situação foi quando precisei comprar meias e pedi à vendedora um par de meias fumê.  A vendedora me perguntou: "O quê?". Repeti mais alto: Fumê!, achando que ela não tinha me ouvido. Ela me respondeu: "Não conheço que meia é essa". Eu, muito surpresa, pensei: isso é que dá não ensinarem mais francês na escola. Fumê vem de fumée, esfumaçado. Até aquele dia eu achava que a cor entre preto e cinza se chamava fumê, como eu havia dito toda a minha vida. Expliquei para a atendente que se tratava de uma cor e pedi para ela me mostrar quais havia na loja. Então, de novo, usei o recurso de apontar. Ela me disse, aliviada: "Ah, tabaco!" Mais um ponto para a língua portuguesa! Uma palavra de pronúncia estrangeira (fumée, do francês)) substituída por uma também de origem estrangeira (tabaco, do árabe), mas com a pronúncia e grafia já abrasileiradas o que, portanto, facilita a comunicação.

E isso aconteceu no mundo da moda, em que o caminho costuma ser o contrário: tiram a palavra em português e colocam uma em inglês, geralmente, para ficar mais chique... Nesse caso, saiu a palavra de origem francesa e entrou uma palavra já constante do dicionário da língua portuguesa.

Mas afinal, que palavras usadas por falantes brasileiros  são genuinamente portuguesas? Será que isso existe? Afinal, o português veio galego e do latim vulgar , que já era uma variação do latim clássico. E nosso belo idioma tem constantemente se enriquecido com vocábulos do grego, do árabe (de onde vem tabaco), do francês, do italiano e de muitas outras. Portanto, achar que é possível termos uma língua pura, sem interação com outros idiomas é uma bobagem. O que eu defendo é que não usemos palavras emprestadas de outras línguas quando já temos um vocábulo consagrado (de uso corrente) em nosso idioma. Isso acaba criando confusão, dificultando a comunicação e excluindo quem não participa do grupinho que usa o termo substituto para algo que já tem um nome na língua corrente (por exemplo: chamar roxo de beringela, ou rosa choque de pink, ou, mais recentemente, chamar a cor gelo de off-white... Poupe-me!)

Bem, voltando ao tema das palavras que somem...
Se quiser tomar uma vaia (termo antigo para pagar um mico), vá ao cabeleireiro (Ou é boko moko chamar cabeleireiro de cabeleireiro? Preciso dizer hair stylist?) e peça para ele passar laquê no seu penteado (me dei conta de que não sei como se fala penteado hoje em dia... parece uma palavra antiga...acho que atualmente se diz cabelo: vou fazer um cabelo para o casamento...hahahaha... engraçado dizer fazer um cabelo, mas acho que é assim que se diz agora... fazer penteado: out, fazer cabelo: in!)
Pior que esse mico, só sair  para passear de touca ou bobs no cabelo...

Para onde vão as palavras quando ficam velhas?

Mário Sérgio Cortella afirma que as pessoas não ficam velhas. O que fica velho é aparelho de TV (ou televisor, como se dizia na minha infância), geladeira, fogão. O homem se renova a cada dia, se torna novo a cada mudança. É uma bela visão e tenho de concordar com ela. Se tivermos o cuidado e a sorte de que nossa mente não se degenere, podemos nos fazer novos a cada dia, como a avó de uma grande amiga minha que, aos mais de noventa anos, dizia que só iria para o asilo quando ficasse velha. Ou como a mãe de Caetano Veloso, que ao completar um centenário de vida disse que só iria comer mingau no dia em que ficasse velha. Que mingau é comida de doente e de idoso e ela não é nenhuma das duas coisas. Que maravilha envelhecer assim! Ou seria melhor dizer "que maravilha rejuvenescer assim"?
Mas esse é um blog sobre palavras, então, vamos a elas.

Numa comparação com a visão que temos no Brasil e em muitos países ocidentais, as pessoas idosas caem em desuso, não servem mais, a não ser para atrapalhar. Ficam esquecidas e abandonadas. Assim é com algumas palavras também. Muitas, na verdade!

As palavras também são abandonadas com o tempo. Ninguém mais se lembra de algumas delas, que ficam vivas apenas na memória das pessoas mais velhas ou acabam indo para o museu das palavras. A palavra escrita, no meu modo de ver, é o museu das palavras que caem em desuso na boca do povo. 
Quando paramos de falar certas palavras, elas somem das conversas, dos noticiários, dos programas de entretenimento e só permanecem vivas nos livros, revistas, jornais, páginas de Internet e outras publicações antigas. Ninguém se lembra delas a não ser que "visite" um desses "museus". Na leitura encontramos palavras de que já não nos lembrávamos mais ou que nunca havíamos ouvido antes, como quando lemos Machado de Assis ou mesmo um jornal ou revista de 10 anos atrás...
Ainda bem que temos a língua escrita para manter viva a riqueza do nosso vocabulário e para nos mostrar as mudanças pelas quais o idioma passa. Nós o usamos e o modificamos e também somos modificados por ele. Ainda bem que temos na palavra escrita um museu das palavras, para manter essa memória viva!